quarta-feira, 8 de outubro de 2008

GENÉTICA: REPORTAGENS INTERESSANTES.

O CASO ISABELLA: A GENÉTICA EXPLICA?

Existe alguma causa genética para explicar porque pessoas matam seus próprios filhos?
Para quem convive, como eu, há muitos anos com pais desesperados para salvar seus filhos, condenados por doenças degenerativas, o caso Isabella é duplamente chocante. Cansei de ouvir pais e mães dizerem que dariam sua vida para salvar a do filho. E estou convencida de que se pudessem o fariam. Então me pergunto: como entender o caso contrário? Como explicar?
O instinto de proteger nossos filhos é tão forte que ao contrário dos animais - que protegem seus filhotes até que eles tenham capacidade de se alimentar e sobreviver sozinhos –, nós humanos protegemos e cercamos nossas crianças de cuidados por muitos anos. Mais ainda: incentivamos os matrimônios de nossos filhos na tentativa de "garantir" a sua felicidade. Protegemos e amamos nossos netos, às vezes mais do que fizemos com nossos filhos, afirmam alguns avós. Dizem alguns que na realidade estamos é protegendo o nosso DNA, aquele que legamos à nossa descendência. E se isso for verdade, repito, como explicar o assassinato de um filho? Como entender uma aberração como essa? A interrupção do seu próprio legado genético?
Sabemos que muitas das nossas características de personalidade e do nosso comportamento têm um componente genético importante. Entre elas, a agressividade, timidez, otimismo, pessimismo e o impulso para aventurar-se. E o instinto assassino, teria causas genéticas?
Na década de 70 o mundo ficou chocado porque um homem havia assassinado oito enfermeiras. Ao estudar seus cromossomos, pesquisadores descobriram que ele tinha um cromossomo Y a mais. Ao invés de 46 cromossomos e um Y como a maioria dos homens ele tinha 47 cromossomos e dois Y. Como o cromossomo Y determina a masculinidade, rapidamente especulou-se que dois Y poderiam estar associados à agressividade e por que não, ao instinto assassino. E lá foram os cientistas pesquisar o cromossomo Y dos criminosos. Se houvesse realmente determinismo genético, os pesquisadores teriam de encontrar homens com dois cromossomos Y em maior número nas cadeias do que na população comum. Era a hipótese a ser pesquisada. E então, a surpresa: os 2Y não só não eram comuns entre os assassinos, como também não eram raros entre os homens da sociedade ‘comum’.
Com o avanço das técnicas de biologia molecular e a possibilidade de estudar mutações dentro dos genes, confirmou-se que o determinismo genético não existe. No caso de doenças genéticas, por exemplo, é comum encontrar pessoas com a mesma mutação patológica, porém com quadro clínico discordante. Mas não podemos negar que existe um componente genético que interage com o ambiente determinando muito da nossa personalidade. O seqüenciamento do nosso genoma reserva-nos muitas surpresas. Provavelmente conseguiremos identificar cada vez mais quais são as alterações genéticas que influenciam nosso comportamento. Mas será que isso nos isenta de responsabilidade?
Recentemente, Craig Venter, o cientista americano que teve um papel fundamental no projeto genoma humano e revolucionou os métodos de seqüenciamento do nosso DNA, foi questionado sobre essa questão. E afirmou: "Há influencias genéticas, sim, mas acredito que as pessoas são responsáveis por seu comportamento". Concordo com ele.

EMBRIÕES HÍBRIDOS E IRMÃOS SALVADORES.

O parlamento britânico colocou em votação várias propostas relacionadas a pesquisas com células-tronco, fertilização humana e seleção de embriões. Duas delas foram aprovadas: a que permite pesquisas com embriões híbridos e a que regulamenta a seleção de embriões. Essa última é extremamente polêmica. Que critérios devem ser levados em consideração para decidir o que é ético ou não na seleção de embriões gerados por fertilização assistida? O que foi aprovado pelo parlamento britânico e que já era permitido nos Estados Unidos trata da seleção de embriões que podem salvar a vida de uma criança ou um paciente condenado. Por isso foram chamados de "saviour siblings" ou irmãos salvadores pelos ingleses.
Casais com alto risco de vir a ter uma criança com doença genética podem recorrer a técnica de fertilização assistida e selecionar embriões sem a mutação ou o erro genético que causa aquela doença. Só esses serão implantados no útero. Embora seja uma técnica difícil, ela já permitiu a inúmeros casais ao redor do mundo gerarem crianças normais e é aceita sem muita polêmica. A questão ética é a escolha de embriões por outros motivos.
No caso, a resolução discutida pelo parlamento inglês é a seleção de embriões imunologicamente compatíveis, que seriam implantados para que ao nascer, possam doar o sangue do cordão umbilical ou da medula óssea para salvar um irmão ou irmã. Por exemplo, pacientes afetados por leucemia, talassemia ou algumas formas de anemias hereditárias para os quais um transplante é a única salvação. Por isso, são chamados de irmãos "salvadores".
Já escrevi a respeito em colunas anteriores: (Lisa e o STF, Talassemia e Seleção de Embriões). É impossível não se emocionar ao ouvir a história de Lisa, uma menina que aos 5 anos, afetada por anemia de Fanconi, escapou da morte certa porque recebeu um transplante de cordão umbilical de Mark, seu irmão. "Ao invés de perder um filha, ganhamos dois, repetiam sempre os pais de Lisa e Mark quando questionados. Quem poderia condenar casais que recorrem a essa tecnologia para salvar um filho ou uma filha?

E A SELEÇÃO DE MBRIÕES DE ACORDO COM O GÊNERO?

Menino ou menina? Essa é outra questão polêmica: ético ou não ético? Em países como a China, onde o aborto para escolha de sexo é permitido e até o infanticídio de meninas, que dirá a seleção de embriões. Não deve haver restrições. Nos Estados Unidos é proibido. E também na Inglaterra. Também sou contra. Mas uma pesquisa realizada há alguns anos justamente na Inglaterra mostrou resultados interessantes. Foram enviados questionários a milhares de casais em idade reprodutiva com a seguinte pergunta: "se vocês pudessem escolher o sexo do seu filho, escolheriam menino, menina ou para vocês é indiferente?"
Um grupo respondeu que preferia menino, um segundo grupo preferia menina e um terceiro declarou que não tinha preferência. Ao tabularem os resultados os pesquisadores viram que aproximadamente metade preferia menino e metade preferia menina. Ou seja, se na Inglaterra os casais pudessem escolher o sexo de seus filhos antes de nascer, não haveria uma distorção na proporção sexual como ocorreu recentemente na China. E no Brasil, como seria? Se os casais pudessem optar, o que você acha que iria acontecer, caro leitor. Seríamos como a Inglaterra ou como a China?

O QUE OCORRE COM GÊMEOS UNIVITELINOS?
GÊMEOS IDÊNTICOS JAMAIS SÃO IGUAIS.

Gêmeos idênticos não são exatamente iguais. Quem convive com eles sabe disso. Mas sempre se acreditou que gêmeos monozigóticos (MZ) ou idênticos tinham o mesmo DNA. Pois bem, uma pesquisa liderada pelo cientista americano Jan Dumanski, publicada em março no American Journal of Human Genetics, pode derrubar esse paradigma. Os pesquisadores compararam o DNA de 19 gêmeos monozigóticos e surpreendentemente eles encontraram diferenças no perfil do seu DNA, tanto naqueles muito semelhantes como naqueles diferentes ou discordantes. Essa descoberta pode revolucionar as pesquisas em doenças complexas como diabetes, Parkinson ou algumas formas de câncer.

DIFERENÇAS ERAM ATRIBUÍDAS SÓ AO AMBIENTE.

Durante muito tempo acreditamos que as diferenças entre gêmeos idênticos seriam por causas ambientais. E isso inclui o ambiente uterino. Por exemplo, sabemos que a posição no útero ou a maneira como cada bebê se conecta a placenta podem determinar que um receba mais nutrientes do que o outro e portanto seja maior ao nascer. Essa diferença de peso e tamanho pode perpetuar-se durante a vida. Mas o ambiente extra uterino teria uma influência muito maior no desenvolvimento de inúmeras características ou mesmo doenças que acometem de forma diferente os gêmeos idênticos. Com o avanço da genética estamos vendo que as coisas são mais complexas.


INFLUÊNCIAS OU MECANISMOS EPIGENÉTICOS?

Os genes se expressam de modo diferente, de acordo com determinadas variáveis. Isto é, por mecanismos ainda pouco conhecidos denominados epigenéticos, nossos genes são ativados ou silenciados como se fossem um acelerador ou um breque. Essas alterações que não são transmitidas aos nossos descendentes -- por isso o nome epigenético e não genético -- podem variar entre gêmeos mesmo idênticos. Essas diferenças aumentam com a idade e com o período de tempo em que os gêmeos permanecem separados, o que comprova a influência ambiental. Mas mecanismos epigenéticos podem ocorrer também no útero o que explicaria a existência dessas diferenças já ao nascer. Por outro lado, acredita-se que alterações epigenéticas podem ser responsáveis por algumas formas de câncer. Casos de gêmeos idênticos, em que um apresenta câncer e o outro não, poderiam ajudar a ciência a desvendar os mecanismos epigenéticos envolvidos.

GÊMEOS IDÊNTICOS PODEM NÃO SER IDÊNTICOS.

O estudo liderado pelo doutor Dumanski sugere que além das influências epigenéticas, gêmeos idênticos também não têm o mesmo DNA. Os pesquisadores compararam o DNA tirado de sangue periférico de 19 gêmeos idênticos e encontraram variabilidade no número de cópias de segmentos de DNA. Embora o estudo deva ser repetido com uma amostra maior, comparando não só o DNA do sangue, mas também de outros tecidos, esses resultados preliminares podem revolucionar o estudo das causas de inúmeras doenças complexas como diabetes, Mal de Parkinson ou certas formas de câncer.
Antes deste estudo, toda vez que ocorria uma doença ou uma característica específica em apenas um dos gêmeos, a conclusão era de eles haviam sido expostos a ambientes diferentes. E lá iam os cientistas em busca das causas ambientais: hábitos alimentares, fumo, stress etc... na tentativa de uma explicação. Se realmente for confirmado que eles não possuem o mesmo DNA, essas diferenças podem ter uma causa genética muito mais importante. A variação no número de cópias de segmentos de DNA pode estar associada a genes que aumentam a predisposição para determinadas doenças em apenas um dos gêmeos. É um novo campo que se abre.

ONDE COMEÇA A VIDA?

Volto às questões enviadas por Alexandro, seminarista e estudante do curso de Filosofia, a quem já respondi em ocasião anterior (leia abaixo). Ele me escreveu: Na minha opinião, a vida começa a existir no momento da fecundação, mesmo que o sistema nervoso ainda não esteja formado. A senhora costuma falar sobre os embriões que nunca serão colocados em útero e permanecerão congelados para sempre. Esses poderiam servir à ciência. Mas se esse experimento fosse feito com um de nós, talvez hoje não existiríamos. Quando se escolhe um embrião para servir à uma pesquisa não se acaba -- querendo ou não -- interrompendo uma vida, mesmo que esta não tenha o sistema nervoso formado?
A impressão que se tem, Alexandro, é que todos os embriões congelados são viáveis. Isso não é verdade. A fecundação é a condição necessária, mas não suficiente para gerar uma vida. É importante lembrar que quem procura as clínicas de reprodução assistida são casais que na sua grande maioria não conseguiram reproduzir naturalmente. Ou seja, em muitos casos, apesar da união entre o espermatozóide e o óvulo, não houve formação de vida. De acordo com o doutor Paulo Perin, um especialista em fecundação assistida, estima-se que somente 2% dos embriões que estão congelados há mais de 3 anos, nas clínicas de reprodução do Brasil, são viáveis. De fato, uma pesquisa publicada recentemente pela doutora Nilka Donadio, outra médica especialista em reprodução assistida, revelou que nenhum dentre quase 200 embriões de má qualidade que haviam sido criopreservados geraram uma vida quando descongelados e implantados em útero.
Todos nós existimos porque resultamos de uma união bem sucedida entre o óvulo e o espermatozóide que nos gerou. A recíproca, porém, não é verdadeira. Ou seja, toda árvore resultou de uma semente, mas nem toda semente originará uma árvore, mesmo quando plantada. Nesse caso estamos falando de sementes que não serão plantadas, ou seja, embriões que não terão útero. Na minha opinião não estamos falando de uma vida interrompida, mas sim de uma vida com potencial muito pequeno (que é de apenas 2% no caso dos embriões congelados há mais de três anos), de uma vida que não começou e sem nenhuma chance de ser iniciada.
Gostaria de comentar uma parábola que ouvi recentemente. Raquel, uma mulher muito pobre, estava passando fome junto com seus filhos quando uma pessoa piedosa lhe deu uma galinha. Mas como ela era muito religiosa, precisava da permissão do rabino antes de matá-la para alimentar seus filhos, já que a galinha não havia sido criada de acordo com os rituais judaicos. Raquel vai então com seus filhos à casa do rabino, chama a sua esposa Sara, e lhe diz: "Por favor, leve essa ave e pergunte ao seu marido se posso usá-la para alimentar meus filhos obedecendo os preceitos judaicos". O rabino olha então para a galinha, e olha para os livros. Olha para a galinha e olha para os livros. Olha para a galinha e olha para os livros. E depois de muito estudo conclui: "Não, isso seria contra a religião judaica". Sara, sua esposa, depois de ouvi-lo vai imediatamente ao encontro da pobre mulher e lhe diz: "Sim, Raquel, você pode alimentar seus filhos com essa galinha". O Rabino, ouvindo isso pergunta perplexo a Sara: "Como você pode ir contra os princípios religiosos?" Muito simples, responde Sara. Você olhou para a galinha e para os livros. Eu olhei para a galinha e para a mulher com seus filhos.
Vida interrompida é a de milhares de crianças e jovens que morrem com doenças degenerativas, para as quais ainda não existe tratamento.

O MEDO DA COMERCIALIZAÇÃO.


A Igreja é contra as pesquisas com células-tronco embrionárias por entender que a vida começa na fecundação, independentemente de estar ou não dentro do útero. Também argumenta que se as pesquisas forem aprovadas poderá haver comercialização de embriões. Essa é uma preocupação também dos cientistas, mas que está contemplada na Lei de Biossegurança, aprovada em 2005, que proíbe essa prática, isto é, a comercialização de embriões. Aliás, usando-se essa mesma linha de raciocínio, dever-se-ia proibir também os transplantes de órgãos, pelo mesmo motivo. Por isso, as pesquisas têm de ser aprovadas por comitês de ética responsáveis por zelar para que não ocorram desvios.
Acho que o risco de comercialização vai ocorrer justamente se a lei não for aprovada no Brasil. Por exemplo, na Alemanha, não foram permitidas as pesquisas com embriões do próprio país, mas elas podem ser feitas com embriões importados de outros países. Ou seja, casais brasileiros que querem doar seus embriões para pesquisas, poderiam optar por exportá-los para laboratórios estrangeiros em vez de vê-los congelados eternamente. Seria o pior dos mundos. Iríamos exportar nossos embriões para depois ter que importar tecnologia.

QUEM TERÁ ACESSO AOS BENEFÍCIOS ADVINDOS DAS PESQUISAS?

A nossa briga é para que todos tenham acesso a possíveis tratamentos resultantes dessas pesquisas. Mas, novamente, se elas não forem aprovadas no Brasil, iremos privilegiar os ricos que irão tratar-se no exterior e os pobres ficarão a mercê da própria sorte. Hoje podemos garantir a todos os pacientes - que ficam desesperados quando lhes dizemos que não existe ainda cura para a sua doença - que é possível fazer no Brasil as mesmas pesquisas que são realizadas no exterior. Mas se o STF não permitir os estudos com células-tronco embrionárias não poderemos mais afirmar isto. Uma porta será fechada. Não poderemos mais nos comparar ao primeiro mundo. Ficaremos definitivamente na retaguarda da ciência, como meros espectadores. E o pior de tudo: o destino dos embriões não será alterado. Ficarão eternamente congelados.


RELIGIÃO E ENSINO DA CIÊNCIA

O que faz a ciência andar tão rápido naquele país? Nós brasileiros temos de ser ao mesmo tempo cientistas, professores, administradores (muitas vezes tentando fazer milagres com poucos recursos) e até despachantes (para agilizar a liberação de material importado, indispensável para as pesquisas). Enquanto o cientista inglês pode dedicar-se integralmente ao seu projeto.
Na área de saúde, por exemplo, os pesquisadores que trabalham com ciência básica ficam só no laboratório, em dedicação exclusiva, sem precisar se preocupar com os pacientes. Têm um tempo enorme para pensar, avaliar os resultados, discutir com seus pares, planejar novas experiências. No avião de volta ao Brasil, eu não parava de pensar: será que vou conseguir me envolver de novo em todas essas atividades além dos muros da Universidade? A tentação de esquecer o mundo lá fora e voltar a ser só cientista, enfurnada no laboratório com meus alunos é enorme..... E de repente, esse seu e-mail, caro reverendo, além de me emocionar muito, me traz de volta a nossa realidade. Já incorporei mais um desafio. Como contribuir para melhorar o conhecimento científico dos religiosos?

A CULTURA CIENTÍFICA E A CLONAGEM.

A sua constatação me fez lembrar um episódio que vivi recentemente com uma jornalista que trabalhava para um jornal ligado à área econômica. Ela me ligou dizendo que estava escrevendo um artigo sobre clonagem e queria falar com um (ou uma) especialista para entender mais do assunto. Exatamente o que você quer saber, perguntei? Tudo. Todos os detalhes de como se faz a clonagem, respondeu de pronto. Bom, vou ter que voltar à ovelha Dolly e começar daí, pensei. Mas antes de iniciar minha explicação científica perguntei: você tem certeza que seus leitores querem saber todos esses detalhes técnicos? Claro, retrucou imediatamente. Todo mundo quer saber como se faz clonagem de telefone celular. Caí na gargalhada. Acho que você está falando com a pessoa errada. Sou uma geneticista, não entendo nada de telefonia. Aliás, também gostaria de saber como é possível "clonar" um telefone celular. Aí, foi ela que começou a rir. Mas isso me mostrou que tínhamos que ensinar mais ciência aos jornalistas. E foi o que fizemos. Logo em seguida, organizamos um curso para jornalistas e interpretes. Espero que tenha sido útil.

RELIGIÃO PARA OS CIENTISTAS E CIÊNCIA PARA OS RELIGIOSOS.

Não há dúvida que os cientistas têm muito a aprender com os ensinamentos das religiões. Sem essa exposição, que a maioria de nós teve pelo menos em algum período da vida, não temos como decidir se queremos ou não abraçar alguma religião, com maior ou menor fervor. Ou simplesmente ater-nos aos seus ensinamentos básicos, já que elas têm muito em comum. Do mesmo modo, reverendo Ângelo, estou convencida que o ensino de ciências aos religiosos seria uma iniciativa excelente, pois concordo que muitos não tiveram a oportunidade de ter um aprendizado científico atualizado e de qualidade.
Um leitor da VEJA acaba de me escrever dizendo que não tenho o direito de interromper uma vida, no caso, a dos embriões congelados. Será que ele entendeu que essa vida não começou e nunca existirá porque esse embrião nunca foi e nunca será inserido em um útero? Lembro-me que antes da votação da lei de biossegurança em 2005, que permitiu as pesquisas com células-tronco embrionárias, conversei muito com um importante líder da Igreja católica, um homem de grande cultura e sabedoria. E ele me disse: "a história tem mostrado que a Igreja muda de posição. Não desista dessa luta!"


CLONAGEM REPRODUTIVA HUMANA.


As células embrionárias reprogramadas poderão originar clones humanos?
Ninguém falou disso, mas a tentação vai ser enorme. Os anúncios recentes de dois grupos de pesquisadores -- um japonês e outro americano -- segundo os quais seria possível reprogramar células da pele para que voltassem ao estágio de células-tronco embrionárias deixaram alguns grupos religiosos radiantes. Aqueles que se opõem às pesquisas com células-tronco embrionárias apressarem-se em exclamar: “Não serão mais necessárias as pesquisas com embriões. Essas células reprogramadas são iguais as embrionárias”. Por um lado, torcemos todos para que isso seja possível. Acabariam assim as polêmicas sobre o uso de embriões. Mas não podemos esquecer de um aspecto importante: se isso for verdade, podemos estar a um passo de gerar clones humanos, o que seria desastroso. Isso é tema para um debate que precisa ser iniciado.

TUDO COMEÇOU COM A DOLLY.

Vocês devem se lembrar da história da Dolly, aquela famosa ovelha britânica, clonada a partir de uma célula da glândula mamária de sua mãe, há cerca de dez anos. Para conseguir esse feito, os pesquisadores escoceses Keith Campbell e Ian Wilmut transferiram o núcleo de uma célula já diferenciada para um óvulo sem núcleo. Este foi então inserido em um útero de uma outra ovelha e originou o primeiro clone de um mamífero.

CAMUNDONGO, GATO, CACHORRO, PORCO.

Depois da Dolly, inúmeros animais foram clonados. Produzir clones continua sendo um processo muito difícil e pouco eficiente. Menos de 10% dos embriões clonados que são transferidos para o útero geram um animal saudável. Mesmo assim, na última década, foram produzidos clones de 16 espécies de mamíferos, incluindo rato, gato, cachorro, porco, bezerro e cavalo, entre outros. Mas será possível fazer clones humanos?

ERA TUDO UM BLEFE.

Teoricamente, se desejássemos realizar a clonagem humana reprodutiva, teríamos de retirar o núcleo de uma célula diferenciada, que poderia ser de qualquer tecido, de uma criança ou adulto. Depois, seria preciso inserir o núcleo em um óvulo, e aí implantá-lo no útero de uma mulher, que funcionaria como barriga de aluguel. Se o óvulo se desenvolvesse, teríamos um novo ser, com as mesmas características físicas da criança ou adulto de quem foi retirada a célula somática. Seria como um gêmeo idêntico, mas nascido posteriormente.
Não podemos nos esquecer que Dolly só nasceu depois de 276 tentativas fracassadas. As experiências de clonagem de outros mamíferos também mostraram uma eficiência muito baixa, além de uma proporção muito grande de abortos e embriões malformados. Esse é um risco impensável no caso de seres humanos. A comunidade científica se posicionou radicalmente contra essas pesquisas.
Mesmo assim, as notícias sobre possíveis clones humanos começaram a surgir logo após o anúncio da Dolly. O médico italiano Severino Antinori dizia já ter conseguido engravidar mulheres que deveriam gerar clones humanos. Defendia a utilização dessa técnica para casais inférteis. Um grupo de religiosos intitulados raelianos vendia até um equipamento para fazer clonagem. Pregavam que seria possível mudar de corpo, mas manter o aprendizado de gerações anteriores. Que maravilha! Poder ter o corpo da Gisele Bundchen ou do Brad Pitt e uma sabedoria milenar. Os cientistas se divertiam com todas essas notícias. Sabíamos que era um blefe. Até então, ninguém havia conseguido repetir a experiência da Dolly com óvulos humanos. Mas e agora?
Os cientistas conseguiram, a partir da pele, produzir células muito semelhantes às embrionárias.
A tecnologia é muito mais fácil. Será que não veremos novamente alguns malucos querendo inserir essas células em um útero? Estamos mais próximos da clonagem reprodutiva? Quais serão as conseqüências? Qual será a reação dos religiosos, já que isso não envolveria destruição de embriões? Quais serão as implicações éticas? O debate deve começar já.


GRUPOS SANGÜÍNEOS E PATERNIDADE.


Existem 8 grupos sanguíneos relevantes no caso de uma transfusão sanguínea. As pessoas podem ser A, B, AB ou O. O símbolo + (mais) ou – (menos) refere-se ao grupo sanguíneo Rh, em que a pessoa pode ser Rh+ (positivo) ou Rh- (negativo). Portanto, há oito grupos sanguíneos que devem ser levados em conta no momento de uma transfusão. São eles: A+ ou A-, B+ ou B-, AB+ ou AB- e O+ ou O-. Mas vamos deixar de lado o Rh para simplificar.
Nosso grupo sanguíneo ou outras características aparentes, tais como cor de pele, altura, ou cor de olhos, são denominadas fenótipo. Os genes ou conjunto de genes que são responsáveis pelo fenótipo são chamados de genótipo. Os grupos sanguíneos são determinados por duas cópias (ou alelos) de um gene – uma herdada da nossa mãe, outra do nosso pai, ou seja, um alelo materno e um paterno. No caso dos grupos sanguíneos, dependendo dos nossos pais, podemos herdar 3 alelos: A, B e O, sendo que A e B são dominantes sobre o O. Isso permite as seguintes combinações:

Fenótipo: Grupo sanguíneo A Genótipo: pode ser AA e AO
Fenótipo: Grupo sanguíneo B Genótipo: pode ser BB ou BO
Fenótipo: Grupo sanguíneo AB Genótipo: só pode ser AB
Fenótipo: Grupo sanguíneo O Genótipo: só pode ser OO

Vamos agora à sua pergunta: a mãe é do grupo O e três filhos têm sangue do tipo A e um do tipo B. Como é o pai? Se a mãe é do grupo O, ela só pode ser OO. Para ter filhos A e B, o pai biológico (se for o mesmo para os quatro filhos) só pode ser AB.
Se a mãe tem o grupo sanguíneo O, ela possui duas cópias (ou alelos) do grupo O, e portanto só poderá transmitir esse alelo aos seus descendentes. Assim, o alelo A ou B presente nos descendentes só pode ter sido herdado do pai.
A partir desse esquema é fácil para você, Rosana, ou qualquer leitor imaginar todas as possibilidades. Em alguns casos, a análise do grupo sanguíneo é suficiente para excluir uma paternidade, mas em outros só o DNA poderá permitir uma conclusão definitiva.

EMBRIÕES VIÁVEIS PARA REPRODUÇÃO, MAS FUNDAMENTAIS PARA PESQUISAS.


Há dois tipos de embriões considerados inviáveis:
a. Aqueles que não têm qualidade para implantação - estão muito fragmentados ou pararam de se dividir, ou
b. têm mutações responsáveis por doenças genéticas.
Imagino que você deve estar se perguntando: como saber se um embrião tem uma mutação genética? É possível detectá-la antes de sua transferência para o útero?
Sim. É possível. Através de uma técnica denominada DPI - diagnóstico pré-implantação. As pessoas interessadas em usar o DPI são aquelas que tiveram uma criança ou algum parente próximo afetado por alguma doença grave e não querem correr o risco de ter outra com o mesmo problema. Apesar dos avanços, é uma técnica muito complexa e poucos centros do mundo são capazes de realizá-la.
Qual a dificuldade do diagnóstico pré-implantação?
Para realizá-lo, o primeiro passo é saber exatamente qual a mutação que causou a doença genética na família em questão. Nem sempre isso é possível se levarmos em conta que algumas doenças podem ser causadas por milhares de erros genéticos diferentes. Mas, vamos lá, descobrimos qual é a mutação. O passo seguinte é gerar embriões por fertilização assistida, um procedimento que não é rotineiro. Envolve vários especialistas. Mas é possível e então são produzidos vários embriões. Agora vem a etapa mais difícil: verificar se cada um desses embriões, com oito a 16 células, possui ou não a mutação, sem destruí-los.
É possível retirar uma única célula de um embrião de oito a 16 células sem matá-lo?
Sim, senão o DPI seria impossível. Mas a dificuldade é grande: o geneticista só tem uma única célula para fazer seu diagnóstico. Não há possibilidade de repetir. Não há espaço para erros. A responsabilidade é enorme.
Se aquela célula única não apresentar a mutação, o embrião com sete células será implantado e se resultar em uma gravidez certamente o bebê não terá aquela doença que foi investigada. É importante deixar claro que o máximo que podemos fazer é excluir uma determinada patologia. Ninguém pode garantir que uma criança nascerá sem problemas, já que existem mais de 7.000 doenças genéticas. E os embriões que tiverem a mutação?
Obviamente, eles nunca serão implantados e por isso são chamados ‘embriões inviáveis’. Sua utilização em pesquisas também está prevista na lei de biossegurança. Inviáveis para gerar uma vida, mas preciosos para a ciência. Eles permitem a realização de pesquisas que jamais seriam possíveis em uma pessoa. A partir deles é possível gerar qualquer tipo de célula, estudar como os genes que causam aquela patologia se comportam nos diferentes tecidos, entender porque um tecido é afetado e outro não, testar agentes farmacológicos ou estratégias para corrigir o gene defeituoso.
É importante que as pessoas entendam que os geneticistas não têm a capacidade de produzir embriões com determinadas características, como muitos pensam. Somos muito mais limitados. O que podemos, e assim mesmo com muita dificuldade, é selecionar embriões, em situações muito específicas. Isso tem causado muitas discussões éticas que serão assunto de um próximo texto nesta página.

O QUE DIZ A LEI E O QUE PEDEM OS PESQUISADORES?


Essa lei é defendida pelas sociedades científicas brasileiras e pela Academia Brasileira de Ciências e de outras 66 ao redor do mundo. Mas ainda é pouco. Precisamos do apoio e engajamento para convencer os ministros do Supremo Tribunal Federal de como é importante essa pesquisa para a ciência do país. Respondendo às suas perguntas:
Gostaria de saber se há alguma lei no ordenamento jurídico brasileiro que dispõe sobre o descarte de células-tronco embrionárias, tendo em vista que a Lei 11.105 é omissa quanto a este assunto? Há alguma lei que veda o descarte dessas células?
Existe uma resolução do Conselho Federal de Medicina de 1992 que proíbe o descarte de embriões pelas clínicas de fertilização assistida. Por isso, existe um número considerável (ninguém sabe na realidade quantos) de embriões congelados nesses centros de reprodução – alguns armazenados há vários anos. As células-tronco embrionárias podem ser obtidas desses embriões. Uma vez isoladas, não há lei que veda o descarte dessas células. Elas originam linhagens que uma vez estabelecidas podem ser reproduzidas inúmeras vezes, isto é, a partir de uma única linhagem você pode produzir quantas você quiser.
Até quando essas pesquisas estão autorizadas pelo ordenamento jurídico brasileiro?
Enquanto não houver decisão do STF as pesquisas estão autorizadas. É importante lembrar que segundo a lei 11.105, desde que não envolvam ensaios clínicos, as pesquisas podem ser aprovadas pelos comitês de ética locais de cada instituição - Universidades ou Institutos de pesquisa. Entretanto, muitos comitês de ética preferem aguardar a decisão do STF e recusam-se a aprovar projetos que envolvem pesquisas com células-tronco embrionárias. Isto é, embora a lei permita, na prática, estamos impedidos de realizá-las. Gostaria de saber também o significado técnico da expressão embriões inviáveis, que conta na lei. Que tipo de inviabilidade é essa? Essa é uma pergunta freqüente. Os embriões inviáveis são aqueles que:
a- Pararam de se dividir ou que estão com uma morfologia anormal, por exemplo, muito fragmentados, como o embrião D da figura abaixo. Ou
b- Aqueles que têm mutações responsáveis por doenças genéticas.
Vamos falar hoje da primeira situação. Na próxima coluna falaremos de embriões com mutações genéticas.
Por que inviáveis? Esses embriões que cessaram a divisão ou estão muito fragmentados, classificados como tipo D, se transferidos para o útero logo após a fertilização têm uma chance muito pequena de gerarem uma vida. Mas se forem congelados ou criopreservados essa probabilidade é praticamente zero. Um trabalho recente publicado pela equipe da médica Nilka Donadio mostrou que nenhum entre 113 embriões de má qualidade, todos do tipo D, que foram transferidos para o útero geraram uma gravidez viável. Isto é, depois de congelados, tornam-se inviáveis para reprodução. Portanto, não seria necessário aguardar três anos para utilizá-los para pesquisa. Por outro lado, isto levanta uma questão muito importante.
Por que não doar esses embriões excedentes para as pesquisas antes do congelamento? Explico. Existe uma resolução do Conselho Federal de Medicina segundo a qual só podem ser transferidos quatro embriões para o útero materno em cada procedimento. No entanto, no processo de fertilização assistida, freqüentemente gera-se um número maior de embriões. Os melhores, isto é, com maior chance de originarem uma gravidez, são aqueles escolhidos para implantação e os de pior qualidade são congelados. Dentre esses, os do tipo D, como vimos, se congelados "morrem". Em outras palavras, não é permitido transferir para o útero mais do que quatro embriões e congelar os excedentes do tipo D significa matá-los. Então por que não doá-los imediatamente para pesquisa?

MINHA FILHA COM LEUCEMIA E MEU NOVO BEBÊ.


Sou pai de uma criança portadora de Leucemia Linfoblástica Aguda (LLA). O tratamento já está em fase de manutenção e felizmente não foi preciso uma tentativa de transplante de medula, pois eu e minha mulher não somos compatíveis. Hoje vivemos um momento muito feliz, já que nossa filha está bem e minha mulher está grávida de oito meses. Decidimos congelar o cordão umbilical do novo bebê, já até fizemos contato com uma empresa especializada. Gostaria que me respondesse às seguintes questões:
(Ademir de Sousa Osiro)
1) Qual é a possibilidade de compatibilidade entre as células desse cordão e minha filha, para que pelos menos tenhamos esse trunfo nas mãos se um dia precisarmos?
Estima-se que no caso de uma leucemia ou doença hematológica que possa ser tratada com transplante de células-tronco da medula óssea ou de cordão umbilical, a chance de um irmão ou irmã serem compatíveis é de cerca de 30%. Por isso insisto que é tão importante termos bancos públicos de sangue de cordão. Quanto maior o número de amostras armazenadas, maior é a chance de se achar um doador compatível.
2) Por quanto tempo esse cordão fica congelado?
Pesquisas recentes mostraram que o sangue de cordões umbilicais, quando armazenados em condições apropriadas, estavam em boas condições para transplante após dez anos de congelamento. Mas, não sabemos ainda qual é o tempo máximo que o sangue de cordão poderia ficar congelado sem perder a sua viabilidade.
3) Esse cordão poderá ficar disponível num banco mundial?
Sim, o cordão pode ser doado para um banco mundial e ser usado por qualquer pessoa que o necessite. A vantagem de um centro de armazenamento é que haveria uma maior rotatividade e os cordões utilizados seriam substituídos por aqueles obtidos de novos nascituros. Entretanto, quando já existe uma pessoa na família que poderá eventualmente necessitar de um transplante, eu aconselharia guardar o sangue desse cordão em um banco particular, desde que ele seja compatível com o possível receptor. Se não for compatível, o banco público é, na minha opinião, a melhor opção.

4) Quantas vezes ele pode ser aproveitado?
O sangue de um cordão é suficiente para uma pessoa de até 50kg, o que não é problema no caso de uma criança, mas no caso de adultos, um único cordão pode não ser suficiente para um transplante. Existem muitas pesquisas tentando expandir o número de células-tronco do sangue para que ele sirva para mais de uma pessoa ou para aquelas que têm mais de 50 quilos. Mas ainda não se encontrou a solução. A opção hoje é usar mais de um, ou seja, de dois doadores compatíveis, quando necessário. Por outro lado, em um de meus textos anteriores eu sugiro que as pessoas congelem também células-tronco mesenquimais, retiradas não do sangue, mas do próprio cordão umbilical (que é descartado), pois elas têm o potencial de formar vários tecidos além do sangue. Essas células mesenquimais são tão abundantes no próprio cordão que isso permitiria, ao contrário do sangue, que ele sirva para mais de uma pessoa. Isto é, em caso de dúvida, se o cordão deve ser guardado em um banco privado ou público, seria possível dividi-lo em dois: metade seria guardado para um potencial uso futuro e metade seria doado para um banco público. 5) Existe um percentual (probabilidade) do meu filho vir a ter um determinado câncer (LLA ou outro)?
A leucemia linfoblástica aguda (LLA) é uma doença genética, mas não é hereditária. É importante entender que genético não é sinônimo de hereditário. Trata-se de uma confusão comum. Quando digo a um casal que seu filho tem uma doença genética, geralmente exclamam: "Mas como, se não existe nenhum caso na minha família?" Explico: doença genética é toda aquela causada por um erro (mutação) no nosso material genético e que pode ou não ser herdada. Essa mutação só será transmitida de uma geração para outra se estiver presente nas nossas células sexuais (óvulo ou espermatozóide). Embora existam tipos de câncer, como o de mama ou de colón de intestino que podem ser hereditários, a leucemia e a grande maioria dos cânceres são causadas por mutações em um gene que causam uma divisão anormal das células, mas que geralmente não são transmitidos de geração para geração. Por isso a boa notícia: a probabilidade do seu futuro filho (ou filha) vir a ter leucemia ou outro tipo de câncer não é maior que o da população em geral.


DA PELE HUMANA ÀS CÉLULAS-TRONCO.



As células transformadas NÃO substituem as pesquisas com células-tronco embrionárias. Para obtê-las, os dois grupos de pesquisadores ativaram genes que normalmente ficam silenciados (inativos) nas células adultas (como da pele, por exemplo) e ativos nas células-tronco embrionárias (CTE). Essa estratégia permitiu reprogramar as células da pele (fibroblastos) e fazê-las comportar-se como CTE, isto é, com o potencial de formar todos os tecidos do corpo. Os dois grupos, o japonês liderado por Yamanaka e o americano por Thomson são bastante respeitados, é verdade. Desenvolveram uma técnica muito importante que vai abrir caminho para novas pesquisas. Mas os dois são categóricos ao afirmar que essas pesquisas não substituem as pesquisas com células-tronco embrionárias. Essas células transformadas precisam ser comparadas com as embrionárias. Aliás, foram justamente as pesquisas com células-tronco embrionárias que deram a pista de que genes precisariam ser ativados para conseguir reverter as células adultas para o estágio de células-tronco embrionárias. Os primeiros resultados, de grande importância, todos concordam, estão aí.

A RECEITA ENVOLVEU SÓ 4 INGREDIENTES.

Mas é aí que mora o perigo! Quatro genes foram inseridos em um vírus e as células que foram infectadas por esse vírus foram aquelas que voltaram ao estágio de CTE. Em primeiro lugar, esses mesmos genes, quando ativados podem aumentar muito o risco de tumores. Por exemplo, se eles acelerarem a divisão celular. Dividir-se rapidamente é uma característica de célula embrionária, necessária para formar um corpo adulto, mas também de células que originam tumores. Além disso, não temos a menor idéia do que esses vetores, tão úteis para introduzir os genes nas células, poderiam fazer no corpo humano. O vírus pode se inserir em qualquer lugar do genoma e ativar ou silenciar genes de maneira totalmente aleatória. Basta lembrar da história trágica daquele jovem paciente americano, Jesse Gelsinger, que faleceu logo após uma experiência de terapia gênica.

QUAL É ENTÃO A GRANDE VANTAGEM DESSA DESCOBERTA?

Para aqueles que como eu pesquisam doenças genéticas, essa técnica abre novos caminhos que podem acelerar muito a compreensão sobre os mecanismos que causam essas patologias. É impossível analisar todos os tecidos de uma pessoa afetada por uma doença genética. Mas se eu puder tirar uma célula desse paciente, fazê-la voltar ao estágio de CTE e originar diferentes tecidos, isso me permitirá analisar como o gene defeituoso se comporta nos vários tipos celulares, entender porque alguns tecidos são afetados e outros não, desenhar estratégias para tentar corrigir o gene defeituoso e testar novas drogas. E no futuro, quem sabe regenerar tecidos da própria pessoa, sem riscos de rejeição.

AS DUAS PESQUISAS SE COMPLEMENTAM

Em resumo, esperamos que no futuro seja possível trabalhar só com células-tronco adultas. Aliás, no momento todas as tentativas terapêuticas que meu grupo vem fazendo em modelos animais com doenças neuromusculares são com células-tronco adultas. Mas concordo plenamente com os dois brilhantes pesquisadores, Shinya Yamanaka e James Thomson: as pesquisas com células-tronco embrionárias continuam sendo fundamentais. E é justamente pela dignidade da vida humana, de inúmeras pessoas, condenadas a morrer precocemente por doenças degenerativas ou impedidas de se locomover, que não podemos desprezar nenhuma possibilidade de avanço científico. Não podemos perder tempo!

CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS


O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Carlos Ayres prometeu que o destino das células-tronco embrionárias será finalmente decidido pelo órgão, no começo de dezembro. Qual será o veredicto final? Será que as células-tronco serão condenadas a ficar presas para sempre nos embriões congelados ou serão liberadas para revelar o que podem fazer pela ciência e pelo futuro da medicina? Em março de 2005, os nossos parlamentares aprovaram com uma ampla maioria (96% dos senadores e 85% dos deputados) a Lei de Biossegurança, que permite as pesquisas com células-tronco derivadas de embriões congelados há pelo menos 3 anos, desde que haja o consentimento dos genitores. Esses embriões são aqueles resultantes de fertilização "in vitro", que sobram nas clínicas de reprodução ou porque seus genitores não querem ter mais filhos ou porque são inviáveis para implantação.
É importante deixar claro que esses embriões nunca serão transferidos para um útero e portanto se não forem utilizados ficarão congelados para sempre. A aprovação da Lei de Biossegurança no Brasil foi muito festejada pela comunidade científica e teve grande repercussão internacional. Mas a alegria durou pouco. Logo em seguida, o então procurador-geral da República, Claudio Fonteles, entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) contra o uso de células-tronco embrionárias alegando que essa prática viola dois princípios da Constituição: o que garante a dignidade da pessoa (no caso o embrião) e o que define que a vida é inviolável. A tese de Fonteles pressupõe que todo embrião congelado em um tanque de nitrogênio seja "uma pessoa viva". Assim esse conjunto de oito células, muitíssimo menor que o buraco de uma agulha de injeção (esse é o tamanho de um embrião congelado), teria – pelos argumentos da ADIN -- os mesmos direitos que qualquer um de nós. Para resolver essa questão, em abril deste ano, o STF teve uma iniciativa histórica. Decidiu fazer uma audiência pública para ouvir os dois lados da questão: os cientistas a favor e contra essas pesquisas. E agora, oito meses depois, os ministros devem dar seu veredicto (no começo de dezembro).
As pessoas que se manifestam contra a manipulação desses embriões (conjuntos de oito células) costumam perguntar: por que é tão importante a realização dessas pesquisas? Por que não utilizar somente as células-tronco adultas?A resposta é simples: somente as células-tronco embrionárias têm o potencial para formar todos os tecidos do nosso corpo, 216 ao todo. No texto anterior desta coluna (leia no arquivo) tratei do potencial das células-tronco de cordão umbilical, que conseguem formar músculo, osso, cartilagem e gordura. Mas elas não conseguem formar células nervosas funcionais que são fundamentais para recuperar pacientes afetados por doenças neuromusculares, doenças neurodegenerativas, como o mal de Parkinson ou pessoas com medula lesionada, que se tornaram paraplégicas ou tetraplégicas. No dia 5 deste mês, Fonteles declarou em reportagem publicada no jornal O Estado de S.Paulo novembro que se a ADIN for deferida, isto é, se as pesquisas forem proibidas, isto impediria uma única linha de pesquisa no tratamento da degeneração de órgãos. Será que ele entendeu que o maior objetivo dessas pesquisas é justamente esse: a regeneração de tecidos e, no futuro, de órgãos em degeneração, não funcionais ou que foram destruídos em um acidente?
Dois anos e meio de pesquisas desde a aprovação das pesquisas com células-tronco embrionárias, em março de 2005, só confirmaram que elas são fundamentais. Ainda temos muito a aprender com elas. Essa não é só minha opinião. É a posição das Academias de Ciências do Brasil e de mais 67 países, das nossas sociedades científicas e de milhões de pessoas que poderão no futuro se beneficiar dessas pesquisas. E mesmo sem ser cientista, você também pode participar dessa discussão. Se concordar conosco, assine a petição no link: http://www.petitiononline.com/pesqcel/petition.html. Seu apoio pode ser muito importante para convencer os ministros do STF que a não aprovação dessa lei representaria um retrocesso irreparável para a ciência e para o futuro da medicina do Brasil. Não podemos deixar isso acontecer!


O QUE FAZER COM O CORDÃO UMBILICAL?


"Estou grávida, devo congelar o sangue do cordão do meu filho quando ele nascer? Gostaria muito de guardá-lo, mas o custo é muito alto. Vale a pena? Será que não vou me arrepender mais tarde?"
No mundo de hoje, é comum uma mulher que esteja para dar à luz preocupar-se com perguntas como essas. São questões recentes, resultado de grandes avanços da ciência nos últimos anos, e nem sempre com respostas fáceis. Parte de meu objetivo com esse espaço é clarear conceitos que nascem e se criam dentro de laboratórios, mas devem e precisam chegar à vida das pessoas em geral. O destino maior da pesquisa e da conquista científica é alcançar a necessidade das pessoas, servi-las, curá-las, tornar suas vidas melhores. Mas a linguagem científica às vezes não é simples. Quero traduzi-la de modo que você entenda o que é real, o que é futuro, o que é ficção e com isso tenha subsídios para tomar as decisões que lhe dizem respeito. A questão de guardar ou não o cordão umbilical de um bebê que está para nascer é, portanto, uma excelente forma de iniciarmos esse trabalho em VEJA.com.
Antes de entrarmos na discussão, porém, é importante entendermos que existe mais de um tipo de célula-tronco no cordão umbilical, cada uma com um potencial maior ou menor de formar diferentes tecidos. Vamos recordar um pouco o que são células-tronco.As únicas células-tronco capazes de originar todos os tecidos do corpo são as embrionárias (falaremos delas na próxima semana). Mas também existem células-tronco adultas (CTA), que podem dar origem a alguns tecidos, não a todos. As principais fontes dessas células são a medula óssea, o tecido adiposo, a polpa do dente e o cordão umbilical. Entre as CTA, as chamadas células mesenquimais conseguem formar tecidos importantes como músculo, cartilagem, osso e gordura. O sangue do cordão umbilical é rico em células-tronco hematopoéticas, aquelas que podem originar o sangue. Até aí nada de muito surpreendente: sangue de cordão dando origem a sangue adulto.

A NOVIDADE É O CORDÃO UMBILICAL.


Recentemente confirmamos que o cordão umbilical, não o sangue, mas o CORDÃO mesmo, aquele tubo por onde passa o sangue é um grande repositório de células-tronco mesenquimais. Uma pesquisa realizada no laboratório do Centro de Estudos do Genoma Humano da Universidade de São Paulo (USP) mostrou que só 10% das amostras de sangue possuem essas células mesenquimais, mas TODOS OS CORDÕES estão repletos delas. E esses cordões são jogados no lixo!!!! É isso mesmo, o que se faz é guardar o sangue e descartar o cordão e a placenta. Essa descoberta muda tudo. A nova ordem agora é guardar os dois: o sangue e o cordão.

POSSIBILIDADE DE USO.

Se o cordão possui células-tronco com um potencial muito maior e diversificado para formar tecidos do que o sangue, guardá-lo para uso futuro pode ser muito promissor. A terapia celular com essas células-tronco ainda deve demorar para se transformar em tratamento, mas se as pesquisas derem resultados positivos é fácil imaginar inúmeros usos para as células-tronco mesenquimais derivadas do cordão umbilical. Entre eles, regeneração óssea no caso de uma fratura, regeneração de dente, de tecido muscular, cartilagem ou de outros tecidos e uso cosmético em cirurgia plástica.
Além disso, para nós, os geneticistas, a possibilidade de derivar vários tecidos a partir das células-tronco de cordão umbilical abre inúmeras perspectivas para pesquisas sobre o funcionamento dos genes em pessoas portadoras de mutações responsáveis por doenças genéticas.

E ENTÃO: GUARDAR OU NÃO GUARDAR?

Sempre que me perguntavam o que faria se eu tivesse tido a chance de pagar para guardar o sangue do cordão do meu filho em um banco privado, eu respondia enfaticamente que não o faria. Mas se me perguntarem agora se eu guardaria o cordão, confesso que sim. É minha aposta no futuro, mas que depende, é claro, dos resultados das pesquisas atuais.

BANCOS PÚBLICOS OU PRIVADOS?


Sempre defendi ardorosamente a criação de bancos públicos de sangue de cordão umbilical, mas questiono os benefícios de se congelar o sangue do cordão do próprio filho em um banco privado ou particular. Parece contraditório, não? Vamos lá, eu explico. No caso do banco privado ou particular, os pais pagam (e não é pouco) pela coleta e pelo congelamento do sangue do cordão para um possível uso futuro.
Quais são as possibilidades de uso? Há alguns anos já se sabe que o transplante do sangue do cordão umbilical pode representar a cura para leucemia e outras doenças hematológicas com maior eficiência até do que o transplante de medula óssea. O sangue do cordão é rico em células-tronco hematopoéticas, que têm o potencial de regenerar o sangue.
Mas a probabilidade de uma pessoa ter leucemia ou outra doença hematológica é tão pequena que não justifica pagar tão caro para guardar o sangue do cordão por tantos anos. Além disso, no caso de uma leucemia recomenda-se não usar o sangue do próprio cordão - um procedimento denominado autotransplante - porque aquela pessoa poderia ter uma predisposição maior para desenvolver um câncer de sangue. O ideal é utilizar células-tronco de um doador compatível (obtidas da medula óssea ou sangue do cordão umbilical) que pode ou não ser parente.
E mais ainda, no caso de uma leucemia, o sangue de um cordão só é suficiente para uma pessoa de até 50 quilos. Se o paciente pesar mais do que isso necessitará de mais do que um cordão. Em resumo, a não ser que já exista algum caso na família, a probabilidade de uma pessoa usar o sangue congelado do próprio cordão é muito pequena e quem se propõe a pagar por isso deve ser muito bem informado.

A IMPORTÂNCIA DE CENTROS NACIONAIS PÚBLICOS.


Nos bancos públicos, os pais doam o cordão de seu bebê. Esse cordão será processado e analisado para várias características como tipo sangüíneo, marcadores de histocompatibilidade (que determinam quem é compatível com quem no caso de um transplante), ou agentes infecciosos. As amostras selecionadas são congeladas (em tanques de nitrogênio a -180º C) e catalogadas em um banco de dados com todas as características relevantes. Esses bancos públicos de cordão funcionam como os bancos de sangue atuais: quando você precisa de uma transfusão, procura-se no estoque aquele que é compatível com você: tipo A, B, AB ou O.
No caso do sangue do cordão umbilical a combinação doador-receptor é mais complexa. Mas estima-se que se tivermos cerca de 12.000 amostras em um banco público, a chance de se encontrar uma compatível com cada um de nós é praticamente de 100%. Nessa situação, se alguém tivesse uma leucemia ou doença passível de tratamento com células-tronco do sangue do cordão, não teria de procurar desesperadamente um doador de medula óssea. Bastaria achar no banco público a amostra compatível com ela.

COMO CHEGAR A MELHOR CONCLUSÃO?

A discussão é grande e merece atenção de toda a sociedade. Há ainda uma sugestão que pode agradar a gregos e troianos. Como o cordão - que tem em média 40 centímetros - é muito rico em células-tronco mesenquimais, pode-se dividi-lo em dois: congelar uma parte para um futuro uso próprio e doar a outra para um banco público. Dizem que o homem sábio não é nem o primeiro nem o último a mudar de idéia. Esse é o fascínio de ser cientista. Não existe uma única resposta, não existe uma única verdade.

SELEÇÃO DE EMBRIÕES DE GÊNIOS


Toda vez que se discute o temor de uma nova eugenia, isto é, a possibilidade futura de se fazer uma seleção de embriões mais bonitos, mais talentosos ou mais inteligentes, eu me lembro da experiência de Robert Graham. Um milionário americano que aos 74 anos resolveu fundar, em 1980, um banco diferente do usual. Um banco de esperma de ganhadores de prêmio Nobel. Ele achava que o mundo precisava de mais pessoas inteligentes porque estava repleto de idiotas que se reproduziam muito depressa. Sempre tive curiosidade em saber o que aconteceu com essa experiência, como são os descendentes cujas mães foram inseminadas com esperma de "prêmios Nobel". Como esses jovens se sentem ao saber que herdaram DNA prêmios Nobel?
Pois bem, acabo de ler um livro de David Plotz, The Genius Factory, que relata essa história e os resultados de algumas famílias que ele conseguiu contatar.
O banco fechou em 1999, dois anos depois da morte de Robert Graham. Na realidade, David Plotz, o autor do livro descobriu que Graham só havia convencido dois ganhadores de prêmios Nobel a doar seu sêmen para o banco. Mas mesmo assim, Robert Graham conseguiu selecionar homens que eram muito inteligentes e expoentes nas suas especialidades.
No total 215 crianças nasceram das inseminações com espermas do banco, mas só 30 foram recontactadas porque as famílias aceitaram falar com o autor do livro. Portanto, ele mesmo reconhece que esses 30 podem não ser uma amostra representativa. Mas como são eles? Alguns são muito inteligentes. Três têm talento para música ou dança. Um tem autismo e outro tem uma doença muscular degenerativa. Vários estão abaixo da média. E aí eu pergunto: Isso é diferente da média da população?
Tom que soube, aos 15 anos, disse: "Meu pai, o marido da minha mãe, não é meu pai. Meu pai biológico, o doador de esperma não é meu pai porque tudo o que ele fez foi doar esperma, o que não é suficiente para torná-lo um pai. Portanto, não tenho pai. Ninguém é meu pai". Esse depoimento nos leva a refletir sobre as crianças geradas por inseminação artificial, que já ultrapassam um milhão nos Estados Unidos.
Doron, que tem um QI de 180, aprendeu computação aos 2 anos. Lia Hamlet, aos 5. Sua mãe ganhou muito dinheiro fazendo publicidade com ele. "A idéia de fabricar gênios foi cretina", exclamou ele ao iniciar seu depoimento ao autor do livro. "Ser inteligente é processar informações rapidamente, e é genético. Mas isso não importa. O fato de ter um QI alto não me torna mais feliz, ou melhor. Há uma enorme expectativa em torno de mim e eu não fiz nada de especial. Não acho que ser inteligente é o que faz ser uma pessoa. O que faz a diferença é ser criado por uma família que te ama, sem pressões ou expectativas. Se eu tivesse um QI de 100 e não 180 isso não faria nenhuma diferença na minha vida".
Será que depois de ler esses depoimentos alguém ainda vai insistir na proposta "esdrúxula" defendida pelo polêmico James Watson, de que deveriam ser selecionados embriões de acordo com a inteligência? Uma eugenia disfarçada?

CASAMENTOS ENTRE PRIMOS


Meu nome é Mayara Leandro, eu namoro com meu primo (o pai dele é irmão da minha mãe) e nós pretendemos nos casar em no máximo quatro anos. Gostaríamos de saber se o que falam é verdade: "casamento entre primos geram filhos deficientes". Se isso é verdade, por que acontece? Nós corremos mais riscos por sermos primos de primeiro grau? O que devemos fazer quando planejarmos nossos filhos?
O risco de filhos com doenças genéticas

Está na boca do povo que casamento entre primos aumenta o risco de ter filhos deficientes. Verdade ou lenda? É verdade sim. Para entender porque, é importante lembrar de modo simplificado que as doenças genéticas podem ser causadas por três tipos de herança: dominante, recessiva ou multifatorial. No caso da herança dominante, freqüentemente basta um gene para que a doença se manifeste. É o caso, por exemplo, da acondroplasia, a forma mais comum de nanismo, onde adultos não passam de 1.20m. Já na herança recessiva, é preciso ter duas cópias de um gene - uma herdada da mãe e outra do pai - para que a característica apareça. É o caso do albinismo, onde as pessoas não têm pigmentação na pele ou nos cabelos. A herança multifatorial é mais complexa. Ela depende de vários genes que interagem com o ambiente, por exemplo, a hipertensão ou algumas formas de diabetes.

O QUE ACONTECE NO CASAMENTO ENTRE PRIMOS?

Todos nós temos genes recessivos, mas em dose simples eles não causam doenças. Por exemplo, se eu tiver um gene que causa cegueira e meu marido tiver um gene que causa surdez, isso não vai causar problemas em nenhum dos dois. Mesmo que um descendente meu herde o meu gene de cegueira e o de surdez do pai, ele não será cego ou surdo. Mas se eu tiver um gene para cegueira e meu marido tiver um gene que causa o mesmo tipo de cegueira, o meu filho poderá herdar dois genes para cegueira e aí sim ele será cego. Existem milhares de genes que causam doenças genéticas, mas é difícil que duas pessoas não aparentadas sejam portadoras dos mesmos genes recessivos. Entre parentes, no entanto, ocorre exatamente o contrário. Em pessoas da mesma família é muito fácil encontrar os mesmos genes herdados dos pais e avós. Aí está o perigo!!!!

QUANTO MAIOR O PARENTESCO MAIOR É O RISCO?

Crianças nascidas de relações incestuosas (entre pai e filha ou entre irmãos) têm um risco de 50% de nascer com alguma doença genética. No seu caso Mayara, você e seu namorado são filhos de irmãos, isto é são primos em primeiro grau (veja o esquema abaixo). Estima-se que o risco de terem um filho com uma doença genética, se não houver nenhum caso já conhecido na família, é da ordem de 10 a 12%.

O QUE PODE SER FEITO?

Eu sugiro que vocês procurem um serviço de genética que levantará todos os dados da genealogia. Os profissionais poderão explicar melhor as possibilidades, riscos e vão orientá-los deforma adequada.

A TEORIA DA EVOLUÇÃO: MUTAÇÕES PODEM SER BENÉFICAS?

Mutações no nosso DNA podem ser patogênicas (isto é, causarem doenças ou serem até letais), benéficas ou serem neutras, isto é, não trazerem nenhuma vantagem ou desvantagem. O interessante é que mutações neutras podem se tornar extremamente benéficas, dependendo das condições. Por exemplo, existe uma mutação rara que impede o vírus HIV de penetrar dentro das células. Enquanto não existia AIDS, essa mutação não trazia vantagem nenhuma a seus portadores. Mas hoje essa mutação é altamente vantajosa em ambientes onde a doença se tornou endêmica, como na África. E se analisarmos este dado daqui a algumas décadas, provavelmente vamos observar que essa mutação – antes rara – vai tornar-se comum no povo exposto à AIDS. Claro, que essa mutação não torna seus portadores melhores ou mais evoluídos, mas apenas mais resistentes ao vírus.
Os geneticistas sempre tentaram entender porque algumas mutações são comuns em alguns grupos étnicos e raras em outros. Por exemplo, o gene que causa a anemia falciforme é muito mais comum em negros africanos do que na população branca e a explicação é muito interessante. Os portadores da mutação (heterozigotos- Aa) são resistentes à malária que é endêmica na região. Por isso, têm maior chance de sobreviver e deixar descendentes. No caso de dois heterozigotos (Aa) se casarem e terem descendentes, 25% dos filhos podem receber os dois alelos (aa- as duas cópias do gene, um do pai e outro da mãe) e terão anemia falciforme, uma doença grave que pode causar morte precoce. Por outro lado, os filhos que não recebem o gene da anemia falciforme têm maior risco de morrer de malária. Na prática, em ambiente com alta incidência da doença, essa mutação é altamente vantajosa. Em um ambiente sem malária essa mutação não traz vantagem nenhuma.

MUTAÇÕES GENÉTICAS SÃO DIRECIONADAS OU ALEATÓRIAS?

Essa é uma boa pergunta. Por exemplo, hoje é muito comum as pessoas reclamarem da tendência para engordar. "Só consigo manter o peso se eu comer muito pouco. Doces, nem pensar". É uma reclamação comum. As pessoas esquecem que em períodos de escassez de alimentos aquelas que conseguiam manter-se com um mínimo de calorias estavam em vantagem. Aquelas pessoas de metabolismo acelerado, que comiam de tudo e não engordavam, não conseguiam sobreviver e deixar descendentes. Isto é, as pessoas com tendência para engordar podem ser classificadas como mais "evoluídas" ou mais aptas a se adaptarem em ambientes de restrição alimentar.
O ambiente que selecionou os seres que sobrevivem com menos calorias pode ter sido aleatório ou direcionado. Aleatório no caso de um desastre ecológico ou climático (um inverno muito rigoroso, por exemplo), mas direcionado no caso de uma guerra. Não precisamos ir até o tempo das cavernas. Os campos de concentração nazistas são um bom exemplo disso. Só deixaram descendentes aqueles que conseguiram sobreviver em condições de subnutrição extrema.

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